Abaporu é uma clássica pintura do modernismo brasileiro, da artista Tarsila do Amaral.
O nome da obra é de origem tupi-guarani que significa “homem que come gente” (canibal ou antropófago), uma junção dos termos aba (homem), pora (gente) e ú (comer).
A tela foi pintada por Tarsila em 1928 e oferecida ao seu marido, o escritor Oswald de Andrade.
Os elementos que constam da tela, especialmente a inusitada figura, despertaram em Oswald a ideia de criação do Movimento Antropofágico.
O Movimento consistia na deglutição da cultura estrangeira, incorporando-a na realidade brasileira para dar origem a uma nova cultura transformada, moderna e representativa da nossa cultura.
Esta obra marca a fase antropofágica da pintora Tarsila de Amaral, movimento artístico que ocorreu entre 1928 e 1930.
O Modernismo é um conceito que define, de um modo geral, as diversas correntes artísticas de vanguarda que surgem na primeira metade do século XX.
Cubismo, dadaísmo, expressionismo, futurismo ou surrealismo são algumas das principais correntes que se inserem no movimento modernista que influenciou a literatura, a arquitetura ou a pintura mundial nos finais do século XIX e princípios do século XX.
Durante aquele período histórico as mudanças tecnológicas criaram uma nova realidade social, a primeira Guerra Mundial colocou o homem perante a possibilidade da sua destruição, na Rússia surgiu o comunismo. Tudo isto é tema de reflexão para os artistas que procuram novas formas de se expressar.
Em Portugal, o Modernismo e as diversas subcorrentes, surge também no princípio do século XX, com a revista Orpheu. Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá Carneiro, Alves Redol, Miguel Torga, Amadeu Sousa-Cardoso ou Santa-Rita Pintor são alguns dos artistas portugueses que integram esta corrente.
O modernismo no Brasil foi um movimento artístico, cultural e literário que se caracterizou pela liberdade estética, o nacionalismo e a crítica social.
Inspirado pelas inovações artísticas das vanguardas europeias (cubismo, futurismo, dadaísmo, expressionismo e surrealismo), o modernismo teve como marco inicial a Semana de Arte Moderna, que se realizou entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo.
No país, o cenário era de insatisfação, pois muitas pessoas consideravam a política, a economia e a cultura estagnadas. Parte disso estava relacionado com o modelo político vigente baseado na política do café com leite.
Com o poder concentrado nas mãos de grandes fazendeiros, paulistas e mineiros se revezavam no poder. Isso ocorreu até 1930, quando um golpe de estado depôs o presidente Washington Luís, pondo fim à República velha.
Foi nesse cenário de incertezas que um grupo de artistas, empenhados em propor uma renovação estética na arte, apresentam um novo olhar, mais libertário, contrário ao tradicionalismo e ao rigor estético.
Assim, surge a Semana de Arte Moderna liderada pelo chamado “Grupo dos cinco”: Anita Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.
Esse evento, que reuniu diversas apresentações e exposições, colaborou com o surgimento de revistas, manifestos, movimentos artísticos e grupos com experimentações estéticas inovadoras.
Tudo isso permitiu consolidar as ideias modernistas e inaugurar o movimento no país.
Contexto histórico do modernismo no Brasil
O modernismo no Brasil surge logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que levou a morte de milhares de pessoas, a destruição de diversas cidades e a instabilidade política e social.
Assim, numa tentativa de reestruturar o país politicamente, e também o campo das artes - estimulado pelas vanguardas europeias -, encontra-se a motivação para romper com o tradicionalismo.
No país, o movimento modernista surgiu na segunda fase da República velha (1889-1930), chamada de República das Oligarquias ou República do café com leite.
Nesse contexto, o poder era revezado entre paulistas e mineiros, e dominado por aristocratas fazendeiros.
Em decorrência disso e do aumento da inflação, que fazia aumentar a crise e propulsionava greves e protestos, o momento era de insatisfação.
Ao mesmo tempo, o movimento tenentista ganhava força e tentava derrubar o esquema das oligarquias, cujo poder estava concentrado nas mãos das elites agrárias tradicionais.
Algumas revoltas que aconteceram nesse momento pelos tenentistas foram:
- Revolta do forte de Copacabana, em julho de 1922, no Rio de Janeiro;
- Revolta paulista de 1924, que ocorreu na cidade de São Paulo;
- Coluna Prestes (1925-1927).
Todos elas reivindicavam o fim da República Velha e do sistema oligárquico.
A crise econômica gerada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, acelerou esse processo e essa mudança foi alcançada com a Revolução de 30.
Assim, um golpe de estado depôs o presidente Washington Luís e marcou o fim da República velha. Começa, então, a Era Vargas, que durou até 1945, ano que termina da Segunda Guerra Mundial.
Fases do modernismo no Brasil
O modernismo no Brasil foi um longo período (1922-1960), que reuniu diversas características e obras, por isso, esteve dividido em três fases, também chamadas de gerações:
- Primeira fase modernista (1922-1930) - a fase heroica ou de destruição
- Segunda fase modernista (1930-1945) - a fase de consolidação ou geração de 30
- Terceira fase modernista (1945-1960) - a geração de 45
Primeira fase modernista no Brasil (1922-1930)
A primeira fase do modernismo esteve voltada para a busca de uma identidade nacional.
Nesse momento, diversos artistas aproveitaram a agitação causada pela Semana de Arte Moderna para romper com os modelos preconcebidos que, segundo eles, eram limitados e impediam a criatividade.
Inspirado nas ideias das vanguardas artísticas europeias, os artistas buscam uma renovação estética. Por esse motivo, ela é conhecida como a "fase heroica", sendo a mais radical de todas.
É também chamada de "fase de destruição", pois propunha a destruição dos modelos que vigoravam no cenário artístico-cultural do país.
A consolidação de uma arte genuinamente brasileira possibilitou a valorização da cultura e do folclore. Junto a isso, os artistas estabelecem a liberdade formal, rompendo com a sintaxe e utilizando uma linguagem mais coloquial para se aproximar da fala cotidiana.
Muitas revistas e manifestos foram criados, o que fez surgir alguns movimentos, dos quais se destacam:
- Movimento pau-brasil;
- Movimento antropofágico;
- Movimento regionalista;
- Movimento verde-amarelo.
Características da primeira fase modernista
- fase mais radical e nacionalista;
- busca de uma identidade nacional;
- maior liberdade formal com rupturas da sintaxe;
- presença de regionalismos e linguagem informal;
- valorização do folclore, arte e cultura popular brasileira;
- uso de versos livres, que não possuem métrica (medida);
- uso de versos brancos, com ausência de rimas;
- utilização do sarcasmo e da ironia.
Autores e obras da primeira fase modernista
Os escritores e as obras mais relevantes da primeira geração modernista, foram:
- Mario de Andrade (1893-1945) - Obras: Paulicéia Desvairada (1922), Amar, Verbo Intransitivo (1927) e Macunaíma (1928).
- Oswald de Andrade (1890-1954) - Obras: Os condenados (1922), Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Pau Brasil (1925).
- Manuel Bandeira (1886-1968) - Obras: A cinza das horas (1917), Carnaval (1919) e Libertinagem (1930).
Confira abaixo um trecho do poema de Manuel Bandeira que representa a posição dos modernistas nessa primeira fase:
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.Abaixo os puristas
(...)
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Segunda fase modernista no Brasil (1930-1945)
A segunda fase do modernismo, chamada de fase de consolidação ou geração de 30, começou em 1930 e durou até 1945, quando terminou a Segunda Guerra Mundial.
Diferente da primeira fase, que apresentava um caráter mais destrutivo e radical, na segunda geração, os artistas demonstram maior equilíbrio e racionalidade em seus escritos.
Esse momento de amadurecimento da literatura brasileira é caracterizado por temáticas nacionalistas, regionalistas e de caráter social, com predomínio de uma literatura mais crítica e revolucionária.
Além da prosa de ficção, a poesia brasileira se consolida, o que significa o maior êxito para os modernistas.
Esse é um momento muito fértil da literatura brasileira onde encontramos uma vasta produção de textos poéticos em verso e prosa.
Características da segunda fase modernista
- fase de consolidação do modernismo no Brasil;
- vasta produção literária em poesia e prosa (poesia de 30 e romance de 30);
- valorização do regionalismo e da linguagem popular;
- utilização de versos livres, sem métrica, e brancos, sem rimas;
- crítica à realidade social brasileira;
- valorização da diversidade cultural do país;
- temática cotidiana, social, histórica e religiosa.
Autores e obras da segunda fase modernista
Os poetas e as obras que se destacaram na chamada “poesia de 30” foram:
- Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) - Obras: Alguma poesia (1930), A Rosa do povo (1945) e Claro Enigma (1951).
- Murilo Mendes (1901-1975) - Obras: Poemas (1930), A poesia em pânico (1937) e As metamorfoses (1944).
- Jorge de Lima (1893-1953) - Obras: Novos poemas (1929), O acendedor de lampiões (1932) e O anjo (1934).
- Cecília Meireles (1901-1964) - Obras: Espectros (1919), Romanceiro da Inconfidência (1953) e Batuque, Samba e Macumba (1935).
- Vinicius de Moraes (1913-1980) - Obras: Poemas, Sonetos e Baladas (1946), Antologia Poética (1954), Orfeu da Conceição (1954).
Confira abaixo um dos poemas mais emblemáticos de Carlos Drummond de Andrade, publicado na revista de Antropofagia (1928), e que causou um grande escândalo na época:
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Já na prosa da segunda geração, ou “romance de 30”, os escritores e as obras que se destacaram foram:
- Graciliano Ramos (1892-1953) - Obras: Vidas Secas (1938), São Bernardo (1934), Angústia (1936), Memórias do cárcere (1953).
- José Lins do Rego (1901-1957) - Obras: Menino do Engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934) e Fogo morto (1943).
- Jorge Amado (1912-2001) - Obras: O País do Carnaval (1930), Mar morto (1936) e Capitães da areia (1937).
- Rachel de Queiroz (1910-2003) - Obras: O quinze (1930), Caminho das pedras (1937) e Memorial de Maria Moura (1992).
- Érico Veríssimo (1905-1975) - Obras: Olhai os lírios do campo (1938), O Tempo e o Vento - 3 volumes (1948-1961) e Incidente em Antares (1971).
Veja abaixo um trecho da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que retrata a vida de uma família de retirantes no sertão brasileiro:
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Terceira fase modernista no Brasil (1945-1960)
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o processo de redemocratização do país, em 1945, a arte brasileira produzida na terceira fase do modernismo ganha novos contornos e linguagens.
Muitos críticos literários defendem que essa fase terminou em 1960, enquanto outros acreditam que ela perdura até o presente.
Esse momento, que ficou conhecido como “Geração de 45”, reuniu um grupo de escritores, muitas vezes chamados de neoparnasianos, que buscavam uma poesia mais equilibrada e objetiva.
Assim, a liberdade formal, característica das fases anteriores, é deixada de lado para dar lugar à métrica e ao culto à forma, com produções inspiradas no Parnasianismo e Simbolismo.
Além da poesia, há uma diversidade grande na prosa com a prosa urbana, intimista e regionalista.
Características da terceira fase modernista
- linguagem mais objetiva e equilibrada;
- influência do Parnasianismo e Simbolismo;
- oposição à liberdade formal;
- forte preocupação com a estética e a perfeição;
- valorização da métrica e da rima;
- temática social e humana.
Autores e obras da terceira fase modernista
Os escritores que se destacaram nessa fase, na poesia e na prosa, foram:
- Mario Quintana (1906-1994) - Obras: Rua dos cataventos (1940), Canções (1946) e Baú de espantos (1986).
- João Cabral de Melo Neto (1920-1999) - Obras: Pedra do sono (1942), O cão sem plumas (1950) e Morte e vida severina (1957).
- Guimarães Rosa (1908-1967) - Obras: Sagarana (1946), Primeiras Estórias (1962) e Grande Sertão: Veredas (1956).
- Clarice Lispector (1920-1977) - Obras: Perto do coração selvagem (1942), A paixão segundo G. H (1964) e A hora da estrela (1977).
Leia abaixo um trecho da obra mais emblemática de João Cabral de Melo Neto Morte e vida severina:
— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.
(...)
— Desde que estou retirando só a morte vejo ativa, só a morte deparei e às vezes até festiva só a morte tem encontrado quem pensava encontrar vida, e o pouco que não foi morte foi de vida severina (aquela vida que é menos vivida que defendida, e é ainda mais severina para o homem que retira).
POEMA DE FERNANDO PESSOA
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